≈∞≈

≈∞≈

sexta-feira, 25 de agosto de 2017

ABRAÇO DE OXÓSSI






De tempos em tempos me acontece de eu sentir uma capacidade de saber de um montão de coisas sem saber exatamente como isso acontece. São informações que enxergo com precisão. Informações muitas vezes bem detalhadas e que momentaneamente me ocupam por inteiro, ultrapassando a necessidade de ter que desenvolver quaisquer raciocínios, sem nem perceber como ou quando essas formulações linguísticas e construções retóricas são produzidas, elas simplesmente me aparecem, prontas e pré determinadas como as palavras de um livro que nunca li.

Esses conhecimentos que transmito, em geral, independem completamente de, por exemplo, eu possuir alguma experiência prática no assunto em questão, seja por lembranças recentes ou acontecimentos muito antigos. Tampouco dependem de algum estudo prévio meu qual justifique o conteúdo e a clareza como transmito esses saberes. Me são espontaneamente aflorados numa lucidez tão ampla, com tanta propriedade e plena certeza, que mal parecem terem saído de dentro de mim, como a catarse na voz de um compositor no ato do improviso inspirado de suas criações artísticas.

E sabe que eu mesmo também aprendo muito com tudo isso que eu então comunico à certo alguém. Eu me ouço surpreso e atento, observando meu estado de espírito diferenciado, de uma sensação calmante em simbiose e aceitação, uma comunhão destemida com o universo, numa entrega total à realidade presente tal qual ela vai se me apresentando.

São fenômenos misteriosamente imprevisíveis e incontroláveis, que me acompanham a me surpreender e instigar desde o mais longínquo alcance de minhas memórias. Me é como uma espécie de segunda natureza, que ao mesmo tempo sinto me habitar nas profundezas, mas também de certa forma independente, separada de meu ser, é uma inefável espécie de luz externa e invisível que acompanha minha personalidade sem fazer parte dela propriamente, apenas presente, constante e discretamente ali, por toda a vida...


Por muito tempo muitos me perguntaram, curiosos, e eu mesmo espantado já também tanto me indaguei; que acesso será esse que, por ventura, se desabrocha através da minha consciência, com essa absoluta naturalidade e segurança? Como e por quê essas janelas de conhecimento se-me abrem assim, sem me exigir qualquer tipo de esforço mental, sem nenhuma motivação interior minimamente perceptível? Nem mesmo posso compreender algum propósito lógico e circunstancial que dê algum sentido à estes momentos enquanto eles se desencadeiam?

Acontece sempre de maneira inesperada, nunca planejada, de forma alguma, quase que dissimuladamente. É como uma vontade obstinada que me é subitamente despertada antes mesmo de eu conseguir racionalizar. Mas sempre sinto que essa intenção me adorna confortável e me conduz harmoniosamente, sendo ao mesmo tempo séria, leve e benevolente. Sempre tão segura, como que ciente de certas nuances existenciais que me escapam totalmente, extrapolando as dimensões de minha consciência humana. É como vislumbrar um além-horizonte e poder enxergar o depois no meio da complexidade das correntes oceânicas inquietas, interpretar previsões capazes de conduzir um certo destino preciso, fundamental à teia das possibilidades simbióticas na conexão de causa e efeito do coletivo planetário. Camufla-se nos ínfimos e mais imperceptíveis movimentos banais do dia-a-dia no decorrer do espaço-tempo.



Quando enfim retomo o controle dos meus pensamentos, me aproprio novamente da minha voz, meu auto-controle, meu consciente, percebo que, geralmente, exprimo determinadas chaves que abrem epifanias naqueles à quem me comunico, mas que também me transformam junto, me fazendo redefinir certas concepções sobre quem sou e qual o sentido maior da vida.

Mesmo sem qualquer esforço investigativo, consigo então desvendar o que descubro ter sido um mistério somente após a análise do que acabara de ser revelado por meio de palavras de simples compreensão, idéias que por ainda desconhecidas, são aparentemente duvidosas, mas que podem ser plenamente comprovadas sempre quando apuradas posteriormente.

Considero este mais um dos inúmeros mistérios da consciência humana, mais um dos tantos fenômenos que ainda carecem de explicações resolutas. Ainda não comprovável de maneira científica, capaz de ser apreendida pela razão pura e simplesmente.

Todavia, não faz muito tempo visitei, dentro de um quilombola, uma linda e tradicional comunidade candomblezeira. Foi onde tive o prazer de conhecer um sorriso doce à quem chamam de Pai Paulo. Foi durante seu famoso jogo de búzios que, antes mesmo que eu o perguntasse, ele foi logo me respondendo: que minha origem é marítima, de Iemanjá, mas que também sou filho de Oxóssi, e que portanto muitas vezes sei de coisas que não sei como as sei. Aos olhos dele, que brilham de fé, isso explica e encerra o que me parece um insolúvel mistério, como se fosse algo completamente óbvio, natural da ancestralidade histórica da natureza humana. E ao ouvi-lo, senti como se ouvisse à mim mesmo. E mais uma vez ele me respondeu com prontidão certeira antes mesmo que eu conseguisse formular uma pergunta: não sou eu quem está lhe dizendo isso, meu filho, fique tranquilo, isso tudo é só abraço de Oxóssi, e ele sempre sabe o que faz, não se preocupe.


E sem perceber, respondi de imediato num tom familiar, chamando ele de Pai Paulo sem pensar duas vezes, e foi como se já o conhecesse desde sempre, um sempre intradutível à filosofia do pensamento essencialmente cientifico.

Nenhum comentário:

Postar um comentário