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segunda-feira, 7 de setembro de 2015









"ninguém é diferente
onde cada um é único
e insubstituível no todo
que é o tecido do presente
mistério de num só instante 
caber todo um infinito
[paradoxo rompante...]
'...não mais que de repente...' "

-uF-

sexta-feira, 1 de maio de 2015

DOÇURA e DELEITE




Já havia alguns dias, talvez semanas, sei lá! Já tampouco me importava qualquer senso de cronologia linear, e, enfim, o que antes parecia apenas uma idéia solta, feito pipa avoada, de repente, tornou-se uma legítima experiência, de uma hora pra outra. Foi bem ali, diante daquele fogão velho e sujo, tentando temperar qualquer cotidiano nutritivo que, quem sabe, me lambuzaria de surpresas algum dia. E aconteceu justo enquanto eu me recordava do exato momento em que aquela famosa metáfora das borboletas no cabelo, aquelas que nascem do couro cabeludo num dos famosos contos do Caio Fernando Abreu, me havia vindo à mente como num dèjá vu, uma coisa toda inexplicável e entregue à arrepios e calafrios, mas ainda assim toda linda. Puramente inefável e linda.

Durante esse mesmo episódio epifânico, eu me via sentado ao lado de Manoel de Barros enquanto remexíamos terra molhada à beira de um rio. Brincávamos, em silêncio, de moldar arquétipos complexos em figuras comuns e fingíamos que tudo aquilo não passava de imprudência ou mesmo teimosia metafórica. Hipocrisia inofensiva, sim, mas que não passava despercebida. Clarice Lispector, que se disfarçava no azul da tarde, toda emaranhada por entre cabelos de nuvem, desenhou a palavra POESIA no céu de nossas cabeças, caçoando impiedosamente da rima retórica que parecia tão óbvia quanto a minha capacidade de enlouquecer paisagens. E tudo isso pode ser que não tenha precisado nem sequer de um segundo pra acontecer. Ou então pode ser que tenha levado toda uma vida pra ser precisamente inigualável e singular tal qual fora. Pouco importam as tentativas inúteis de traçar parâmetros para os mistérios do tempo agora. Só sei que foi como se o sempre nunca tivesse precisado existir de tão inescapável que era a sua intrinsecalidade...

E eu senti. Tudo. Senti mesmo, com precisão sensorial, e extra-sensorial. Detectei cada nuance daquela experiência, aquele inédito cotidiano que se descortinava de dentro de si numa metalinguagem misteriosa. Eu explico:

De repente minha coluna vertebral inteira era composta por felpudas mariposas. Faziam parte de mim, tanto quanto fazia aquela cozinha, o par de chinelos aos pés e aquele fogão velho, a janela bucólica em contraste com a vista escandalosa de tirar o fôlego; eu era todo aquele cenário e tudo que aquele instante continha, só pela simples consciência de pertencê-lo. E eu sentia, sabia, entendia: tudo aquilo sempre fizera parte de mim, mas só mesmo então eu pude compreender com clareza. E cada movimento que eu fazia, por mais sutil que fosse, era acompanhado pela vibração de inúmeros ruflares de asinhas coordenadas, asinhas vertebrais e suas anteninhas sensoriais. Não dava pra não sorrir espaçosamente ao perceber aquela presença.

Eram cócegas em correnteza fantasiadas de invisível. Discretas, mas desfilando todas prosas num carnaval de sentidos inventados, remendados, reciclados e conectados por teias de ilusão em intenções reaproveitadas. Toda essa alegria não seria perceptível não fosse a coleção de desencantos armazenados pelas células de todo o meu corpo. Remendos editados pela graça mnemônica das lembranças, magia que é o solvente universal das amarguras empedradas, imprescindível à homeostase de um livre-arbítrio sustentável: livre e arbitrário.

Foi logo então que pude perceber que havia um beija-flor no meu peito, pulsando alegria pelas minhas artérias onde antes eu acreditava existir nada mais que um músculo cardíaco. E tudo começou a fazer muito sentido, a infinita sede por doçura que sempre senti em meu coração, era por isso, néctar é o alimento fundamental desses incríveis pássaros.
E uma série de epifanias me ventavam desencadeando novos entendimentos e percepções, tudo encaixando perfeitamente com minha maneira particular de apreender a experiência de estar vivo, tudo se conduzindo em um mesmo fio de concordância e correspondência entre o agora e a enciclopédia de experiências memorizadas e condensadas no entender ser quem sou.

Em minhas mãos comecei a sentir, e pude ver que cada dedo era um peixinho de rio... é por isso que minhas mãos se sentem tão bem embaixo d'água, podem ficar horas submersas! E meus ouvidos, dois camundongos ultra sensíveis e melindrosos. Meus pés, nadadeiras disfarçadas de tatu, ao mesmo tempo navegando e me enraizando por onde quer que eu vá. Em minha garganta um canário romântico e por vezes um tanto quanto vaidoso, meus joelhos, velhas tartarugas marinhas procurando nas inúmeras cicatrizes em seus cascos pistas para reencontrarem a praia que resguarda suas infâncias ainda intactas. E os meus pulmões, respiro florestas inteiras, o tempo todo ventando por entre galhos, folhas e segredos... Minhas pernas fortes por natureza obviamente que golfinhos surfistas.

Meus olhos, sim, ah... Meus olhos inquietos e indiscretos! Tantas e tantas coisas são capazes de inventar... Metamorfoses diárias. Mas que sempre no crepúsculo, teimosamente saltam de meu rosto pra voar em celebração, ocupando a liberdade da atmosfera, aquelas andorinhas empolgadas e felizes, que acreditam abraçar o horizonte com curvas e imaginação. E os meus pensamentos também, quase todos, ao final do dia, adoram se reunir fazendo uma estrada no céu, ora fragatas, ou tucanos, gaivotas, biguás... ora araras, pombas, maritacas, atobás... Mas sempre se reunindo para encontrar aonde, no infinito de cada paisagem, formarão juntos mais algum deslumbrante enfeite.

Há quem nem se saiba
e nem nunca se aproveite.
E olha que ainda há também
quem acuse de loucura
toda essa doçura
que é o meu melhor deleite:
meu lar doce lar; meu lar doce deleite!





sábado, 28 de fevereiro de 2015

JARDIM DE INSTÂNCIA








Sábado eu esqueci completamente de colocar néctar para os beija-flores. Só fui deitar muito tempo depois que o sol se levantou. Tive que trabalhar a tarde e a noite toda. Quando terminei de fazer o jantar já nem era mais sábado, e eu não havia sequer tido uma pausa para almoço. Eu estava visivelmente exausto por fora. O corpo pedindo repouso ao longo do dia todo. E aquele macarrão simples mas sofisticadamente delicioso me convidando para uma cesta pós refeição.

Eu queria dormir sim. Dormir muito. Por longas e intermináveis horas. Casulo de sono enrolado em lençóis de utopia e travesseiros sonha-dores. Providencial, aquele domingo traria enfim o ócio e o silencio necessários para um sono revitalizante. Todavia foi justamente o silêncio que despertou minha vontade de ficar ao mesmo tempo quieto e atento. Como tocaia e meditação reunidos para capturar os pensamentos mais ariscos e fugidios.

Fui para o quintal munido de um velho caderno sem capa e aquela caneta gostosa do curso de paisagismo. O chão molhado pela mesma chuva que havia lavado toda a tensão do dia enquanto eu subia a ladeira empurrando minha bicicleta na volta do trabalho. Refrescante e tão providencial quanto um domingo. No ritmo dos passos incertos e escorregadios decidi aceitar cada pingo. Estava mortificado pelo cansaço mas me sentia vivo e presente, presente e infinito, infinito e passageiro: cometa diante de um sol.

A rua tão vazia. Fiquei admirando aqueles paralelepípedos enquanto seguia acompanhando o trilho do bondinho. Amava cada um deles, os infinitos paralelepípedos. Devaneava imprudentemente com a passagem deles abaixo de meus pés, me permitindo enxergar em cada retângulo de pedra uma cena representando algum momento importante de vida. Mosaico de vídeos vivos mas quase sem cor ou som. Apesar da presença constante e bem definida dos trilhos me conduzindo na direção certa, enquanto via naquelas rochas as minhas memórias reunidas, não havia uma sequência linear nelas. Impressões de muitos passados, junto com diferentes convicções sobre futuros outrora imaginados, se emaranhavam como num mural de fotos de algum quarto de adolescente da década de 90.

Era o mural de um antigo jovem que ainda me habita timidamente, com sua ingenuidade crônica e seu imprudente excesso de sonhos. São tantos, que misturados, não conseguem ser organizados em metas e objetivos bem estabelecidos. O desejo é vital e por isso é também efêmero. Era uma espécie de retrospectiva de futuros que não aconteceriam mais. Ficariam em suspenso ao longo da linha do tempo. E por não terem de fato passado iam acompanhando aglutinados ao redor do foco do ponto presente. E ao longo do trajeto fui entendendo que aqueles rochedos do passado é que garantiam a estabilidade da direção daqueles trilhos enquanto iam os espremendo como que magneticamente.

Uma rua inteira de paralelepípedos. E eu tendo que fazer muita força o tempo todo porque a inclinação da ladeira era tão inescapável quanto a dor dos sonhos que não se realizam. Tudo o que a gente resiste simplesmente persiste. Insiste em permanecer até que seja feliz o que está triste.

Madruguei em tocaia, investigando aquela rua que agora mora embaixo dos meus pés quando estou avançando vida acima. Antes de deitar os pensamentos no travesseiro apurei bem aquela dura epifania. Palavras, que rabiscadas num caderno qualquer, guardavam aquele sentimento indigesto finalmente no passado. O alívio chamava o sono...

Não coloquei o néctar para os beija-flores. Mas sorri, leve e naturalmente. A palavra domingo ensolarando um delicioso repouso em meu peito. É que mesmo tendo me esquecido por completo, com sorte recebi a abençoada visita de um deles, os beija-flores. É que ao redor haviam flores, várias, desabrochando por todo o jardim...

Uirá Felipe Grano Gaspar – 13-12-2014 – Santa Teresa – Rio, RJ

AQUI É O LUGAR MAIS PERTO




O que está escondido
ocupa espaços que nem conhecemos
E no ato das decisões de coragem
vêm à tona tudo o que formos capazes de enfrentar e receber­
Muitas vezes o sofrimento tenta atrapalhar os passos
ao se preocupar tanto com as pegadas


(tão inevitáveis quanto a força da gravidade ligando você ao planeta Terra
e à todos os seres que nela vivem e os incontáveis astros movendo
numa mesma onda de propagação, enfim:

Universo [que de dentro se der r Ama] ao redor.)

Mas é no caminho que,
degrau após força,
superação após aceitação
está toda a graça e encanto ofertados pelo mundo

E a despeito da impressão em cada pegada
a realização acontece quando a energia que move
movimenta do coração o seu sentido maior
sentir do agora,
pois onde há vida, há calor, há dor
mas sobretudo há o Amor
que o movimento faz alimentar

e não é o prêmio no final da caminhada
que o fará rico, essa será somente a estrada
a riqueza de cada paisagem, e olhares
e pessoas que foram encontradas
Não existe mais rápido, nem mais curto, nem mais certo
por onde caminhamos é só o que levamos:
O que estamos; que expressamos nosso eu-esperto
E se a cada dia nos sentimos de algum modo mais longe
Saibamos cá no hoje que o aqui é o lugar mais perto

e para lidar com tamanhos desconhecimentos
e tanto susto diante dos mistérios da vida e do mundo
há apenas uma orientação infalível que alerto:
Age na intuição para ouvir a si mesmo:
Felizes nós os de coração aberto

Uirá Felipe Grano Gaspar 
Ibitipoca – MG (01-01-2015)