Tenho andado assim, meio sonso... É isso aí, um sonso mesmo. Mas é dum tipo de cinismo invisível aos outros, só tem efeito diante do meu próprio ser. É tipo uma hipocrisia, só que apenas eu me faço ser enganado. Disfarces que me são privados e auto-inventados, absolutamente particulares. São apenas do meu próprio desconhecimento... Não chegam a ser secretos mas enganam-me com astúcia... Bem, não sei se é exatamente isso, acho que não, não sei, pera aí... Calma! Ai, sei lá, acho que não é bem isso que quero dizer, mas tô tentando... Só um instante, deixa eu ver... Ah... Melhor tentar por um outro labirinto de palavras...
A
questão é que eu tenho precisado inventar pra mim mesmo esse montão
de mentirinhas completamente bestas, bem idiotas mesmo, besteira
total. São do tipo de mentiras bem descaradas mas totalmente
despretensiosas. E olha que eu minto bem, muito bem por sinal,
modéstia à parte! Mas ao mesmo tempo que são mentiras inofensivas,
e um tanto infantis, eu sei, são também muito poderosas. Porque é
desse meu joguinho de fingimentos bobos que faço nascerem as
sensações mais reais e agradáveis do meu dia-a-dia ultimamente...
Bem, não é lá essas coisas, nada extravagante não, mas ao menos
são vivências digamos que menos desagradáveis, bem mais leves não
fosse esse teatrinho secreto me camuflando de mim mesmo. Ah sei lá,
.. Já não sei se estou conseguindo me fazer entender não... Será?
Ah... Nossa! É tão difícil simplificar, e tão fácil complicar!
Ih, Opa! Acho que é bem por aí isso que eu tô tentando explicar...
Vamos lá...
É
tipo assim: eu vou seguindo nessa estrada, um caminho todo cercado de
ausências desérticas, e tudo ao meu redor de repente começa a
pegar fogo. Um fogaréu imenso mesmo, lambendo tudo em volta numa
violência brutal e totalmente descabida, sem explicação, sem
controle e nem razão, assim, lamentavelmente desnecessária... É
que no fundo eu sei que toda essa guerrilha de labaredas ao meu redor
não passa de uma mera fogueira de vaidades sem pudor. Então eu sei
que mesmo passando por entre esse combustível corredor ardente eu
não tenho como me queimar, jamais! Porque eu não sou lá muito
inclinado à vaidades... Meus orgulhos são bem tímidos e humildes,
tão insignificantes que nem carece que sejam citados... Mas assim,
só pra me resguardar mesmo, é que, secretamente, tenho criado esse
meu jogo sonso, e assim me disfarço todo e me finjo, faço que sou
todo feito de água...
Isso
mesmo! É... Água! Porque então ao invés de seguir nessa avenida
calorenta e engarrafada, eu me aproveito de todo esse asfalto
fervoroso e vou fluindo... Me encolho e escolho ser inteiramente um
rio, isso! Um rio indo e rindo. E aí no meio dessas faíscas
barulhentas, ao invés de ir me apavorando, eu vou só me
evaporando... mas discretamente. Ninguém nem percebe que eu vou
passando, molécula por molécula, todas bem minúsculas e molecas, e
daí depois vou me reagrupando bem lá em cima, já me condensando
todo em nuvem de um modo que ninguém nem se dá conta dessa
aglutinação que minha imaginação me apronta... É isso que me
ajuda a driblar esses vulcões que toda hora vivem entrando em
ebulição à minha volta... É isso que me faz poder olhar de longe
de toda essa revolta, bem lá de cima, como no olhar duma gaivota. E
tudo isso só pra encontrar um cantinho que seja todo meu e assim
como eu: desconhecido, inexplorado. Bem lá no meio duma floresta
qualquer, mas dessas bem preenchidas de verdes, raízes e seus
silêncios musicados. Lá eu passo todo pássaro, passeando até me
desabar em cachoeira pra ir dançando por entre as pedras todas
cheias de musgos, e com aqueles cheirinhos minerais tão familiares e
aconchegantes... Assim, faço das mentiras minhas verdades mais
calmantes.
Mas
é claro que em algum momento há de recomeçar uma série de
trovoadas... Tem sempre uma frente fria por vir, rondando e ameaçando
chover... A meteorologia alerta que há possibilidade de relâmpagos
em toda parte. Mas sei que não poderão me acertar, pois me fantasio de arte... Eu
ignoro notícias e previsões, continuo com essa minha brincadeira
dissimulada, nadando nas ilusões que eu mesmo crio. Sigo inventando
os meus silêncios, mesmo sabendo que não é possível essa coisa de
ficar inventando ausências... E mesmo assim eu insisto nesses meus
fingimentos, ainda que meio cretinos, eu sei, eu sei, eu sei...
Confesso! Desnecessários talvez, mas pra mim são inevitáveis, eles
que são o meu recesso, meu pacífico protesto...
É
que se de alguma forma eu acabo sendo empurrado pra essas realidades
à que despertenço, já que apesar de me saber tijolo eu não
nasci pra ser muro, muito menos pra me cercar de cimento e viver
esmagado de fronteiras, minha natureza é a de fazer pontes, é isso!
Eu tô muito mais pra desconstruir distâncias que pra ficar
preenchendo vazios e suas inúteis futilidades...
É
por isso que consigo me manter ventando maresia mesmo enquanto sou
arrastado por tempestades. Tudo por causa dessa coisa mansa de
brincar comigo mesmo, fingido que só eu que sei; vou todo disfarçado
de brisa bem lá no meio dos furacões todos, é minha escolha, minha
distração: a minha loucura é a ao mesmo tempo minha salvação,
fazer o quê, ué? Pra mim detergente é muito mais legal quando
bolinhas de sabão...
Quando
eu sou engolido por um tornado e começo a girar descontrolado,
prefiro mesmo gargalhar, me mijar de rir... E aproveitar feito um
parque de diversão, sei lá! Me basta fingir que há uma prancha em
meus pés pra eu ir driblando todo e qualquer alheio surto, e nesse
túnel, apenas surfo... Pois surfista, sinto-me muito mais eu,
precisamente como haveria sonhado...
Sim,
sim, eu sei... De um jeito ou de outro, é tudo mesmo inventado...
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