(mas sem Pressa)
Quando os grilos
acordam e as luzes das casinhas se apagam, aguardo entusiasmado a
chegada do silêncio do sono da cidade. Nem toda ela dorme, é claro,
mas a maioria das televisões são enfim desligadas depois de algum
tempo. E os muito poucos que ouvem música, o fazem baixinho ou no
fone, respeitosa e individualmente.
É muito gostoso
conseguir ouvir a própria respiração sem precisar tampar os
ouvidos. É gostoso ouvir o besouro batendo na lâmpada lá da
cozinha. As bolhinhas de ar no aquário se esfarelando na superfície.
O ronco da geladeira, o ruído da lâmpada incandescente, a água do
vizinho descendo pelo encanamento dentro da parede; aquela estática
urbana remanescente dos poucos veículos que trafegam ao longe e sem
buzinas. Um ou outro galo cantando lá na favela do outro do vale, o
cão daquela senhora ranzinza ali da vila latindo em dó maior a sua
solidão no meio da noite. É gostoso prestar atenção aos vazios
para destacar os conteúdos da música que a noite ronca. Um chôro
de criança sendo acudida, a tosse do senhorzinho asmático lá da
rua de baixo, o cantarolar de algum bêbado desvairado que, incapaz
de se equilibrar no silêncio, canta na emergência por manter-se
lúcido e em movimento.
O melhor mesmo é
ouvir o som da ponta da caneta deslizando por sobre o papel, mas,
principalmente, escutar com atenção o que ela vai registrando nele.
Somente no silêncio
da quietude das coisas é que consigo ouvir com atenção as
intimidades que desejo dizer a mim mesmo. E somente na língua do
coração eu consigo escrever dessas coisas. Esse idioma quase
individual costuma ter uma pronúncia toda particular e sobretudo
doce, fundamentalmente generosa. Só pode ser falado se bem baixinho,
e cantado quase em sussurro, como que para ninar uma criança
assustada com os pesadelos. Uma criança tímida e solitária que
trazemos escondida dentro de nós. No meio de tanta pressa somos cada
vez mais incapazs de lembrar os nossos sonhos, nossas mensagens
subliminares que ecoam durante o agito do dia.
O principal a se
saber é que essa língua somente pode ser compreendida onde se
instauram serenidade, compaixão e ausência de pressa.
Uirá Felipe Grano
Gaspar – 13-12-2014 – Santa Teresa – Rio, RJ
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